#1 reflexões – claudia andujar, espelhos e psicoterapia

Não conhecia o trabalho da Claudia Andujar até janeiro deste ano, quando tive a oportunidade de visitar uma exposição com as fotos dela. Ela nasceu na Suíça e cresceu na fronteira entre Hungria e Romênia, seus pais eram divorciados e ela vivia com a família paterna. Quando começou a Segunda Guerra Mundial seu pai, de origem judaica, foi deportado para um dos campos de concentração nazistas e foi morto, assim como grande parte da família. Claudia e sua mãe conseguiram fugir para a Suíça e de lá, ela emigrou para os Estados Unidos para viver com um tio.
Em 1955 ela veio para o Brasil para reencontrar-se com sua mãe e decidiu fixar residência. Começou a fotografar como uma forma de se comunicar, pois naquela época ainda não dominava o idioma. Como ela mesmo disse, em um dos vídeos para o Instituto Moreira Salles, a sua fotografia “nasce da necessidade de se comunicar com o povo brasileiro”. Ela passa a colaborar com várias revistas nacionais e internacionais. Em uma edição especial da revista Realidade, que a leva até a Amazônia ela conhece os Yanomami. Após esse encontro, com o intuito de conhecer mais profundamente a cultura desse povo, decide viver entre Roraima e Amazonas em tempo integral.

Passa não só a fotografar a cultura Yanomami, mas a se envolver com as causas e lutas políticas, já que o território e a vida dos Yanomami estavam sendo ameaçados pelos projetos de desenvolvimento do governo militar vigente. Junto com o missionário Carlo Zacquini e o antropólogo Bruce Albert eles fundam, em 1978, a ong comissão pró-yanomami (ccpy), que desempenha um papel bem importante na luta pelos direitos desse povo até hoje, pois assim como grande parte dos povos indígenas, os Yanomami continuam sofrendo ameaças e tendo seus territórios desrespeitados.
A exposição era bem grande, com dois andares de fotografias, que guiavam a gente pelo trabalho dela com os Yanomami. São mais de 40 anos fotografando e contribuindo para a proteção desse povo!
O que achei interessante, e a exposição também vai destacando isso, é que ela não só documenta a vida e as pessoas, mas explora diferentes técnicas fotográficas que refletem seu profundo envolvimento com os yanomami e também marcam seu estilo de intervenção artística que intenta transmitir as experiências e sensações que atravessam um mundo diferente do nosso.
Ela adotou lentes grande angulares e aplicava vaselina nas bordas das lentes, o que cria um efeito bem interessante de desfoque, também usava filmes infrared e filtros coloridos, intensificando a atmosfera surreal das suas imagens. 

Uma das seções da exposição é dedicada a uma série de fotografias que ela realizou em um ritual chamado reahu. Trata-se de um evento importante para a vida social yanomami e pode durar dias ou mais de uma semana. A cerimônia reúne diferentes comunidades e é também um ritual funerário. Músicas, dança e abundância de alimentos fazem parte do evento. Ao final, todos os homens presentes inalam a yãkoana, pó extraído de uma árvore de mesmo nome na floresta amazônica e que tem o papel de trazer conhecimento a eles.
Claudia Andujar captura os vários aspectos do ritual também explorando diferentes maneiras de fotografar. Ela utiliza baixas velocidades no obturador, flashes e lâmpadas a óleo para criar rastros brilhantes de luz e movimentos borrados. Também cria múltiplas exposições, que imprimem vários corpos em um mesmo frame, para sugerir a presença de muitas pessoas e a conexão espiritual que todos os presentes compartilham.

É muito bonito ver o trabalho dela e como ela faz as possibilidades e ferramentas técnicas conversarem com o que ela está vivendo! Ela coloca a técnica em função do que ela está experienciando e sentindo (e não o contrário) e isso ajuda a criar significados e sensações que ultrapassam a dimensão visual. Ela busca entender e capturar a experiência e não apenas documentar.
Em meio aos painéis e fotografias me deparei com essa frase, escrita por ela:

 “fotografia é o processo de descobrir o outro e, através do outro, a si mesmo. intrinsecamente é por isso que o fotógrafo busca e descobre novos mundos, mas no final, sempre revela o que está dentro de si.”

Ao ler comecei a pensar na relação entre a fotografia e a psicoterapia e foi essa conexão que motivou a escrita deste texto. Fiquei pensando em como existem paralelos entre essas duas atividades. Quando começamos a fazer análise muitas vezes levamos para as sessões questões que envolvem outras pessoas, incômodos, chateações, inspirações, enfim, e durante todo o processo a gente vai aprendendo que em muitos casos, não todos, o que chama a atenção no outro também revela um aspecto nosso. Às vezes são aspectos que apontam algumas dificuldades, outras podem ser aspectos de afinidades ou potencialidades, mas que são percebidos através desse olhar para o outro. Sinto que é como se essas duas dimensões, interno-externo, estivessem sempre conectadas e aí, falar do outro é, em alguma medida, também falar da gente mesmo. Olhar para o outro provoca um olhar para o nosso interior e esse olhar interior transforma nosso olhar para o exterior e assim infinitamente…
Acho que ter a dimensão dessa transformação infinita é uma das coisas mais bonitas de um processo terapêutico!
Gosto da imagem do espelho para pensar esse “jogo” nas relações. Quando começamos a observar a nossa própria família, por exemplo, a gente pode se dar conta de uma série de padrões e características que vamos reproduzindo e que, nas suas complexidades, refletem impulsos e tendências que também constituem nossos pais, avós ou outras pessoas da família. Por isso é tão importante olhar para esse espelho, para ir filtrando o que é nosso, o que não é, o que está se repetindo e o que pode ser transformado. Durante essa jornada vamos nos descobrindo através do outro e, simultaneamente, descobrindo o outro, como sugere a Claudia Andujar.
Esse foi um dos efeitos da análise, na minha experiência, de olhar para os meus pais fora do papel de pais, descobrir eles além dessas figuras. Isso me ajudou a tentar compreender quem eles são e não quem eu espero que eles sejam.
Espelhos…

Essas foram algumas ideias que me ocorreram e que compartilho aqui como um texto de estreia. A gente pode pensar em como esse processo atravessa outras atividades também. Buscar entender o outro e simultaneamente entender a si próprio talvez faça parte do enigma que move a produção de conhecimento e arte da humanidade, mas isso seria assunto para um outro post…

*todas as fotos utilizadas aqui são da fotógrafa e foram retiradas da internet.